Tudo começou com uma simples brincadeira. Ela entrou na tua vida de forma abrupta e lá se foi mantendo, ninguém sabe como. As memórias por vocês partilhadas ascendem às centenas e aqueles segredos só teus, que julgavas não conseguir contar a mais ninguém e que iriam estar sempre contigo, foram debitados, em momentos de fraca sobriedade, em forma de narrativa, com comentários e opiniões dela, sem nunca te julgar. E soube bem, soube tão bem deixar cair aquele peso que carregavas nos ombros e saber que jamais o terás que suportar sozinho.
Tu és humano, erraste demasiado no passado, mas para ela nada disso interessa. Há um dia em que o teu sorriso para ela se orna de forma diferente. Ela, de tanto te conhecer, pergunta o que se passa, dá-te uma palmada e diz para te animares, com o habitual brilho no olhar enquanto passa a mão pelo cabelo, cabelo que ela cortou a ela própria, e que tu deste conta, mas não tiveste coragem para lhe dizer que lhe ficava tão bem. Começas a ficar longe dela. É estranho. Não gozas com ela quando ela pede o menu almoço logo pela manhã ou quando lhe apetece almoçar cereais. Ela é assim, sempre foi, mas agora é ainda mais. Demoras a responder-lhe, tens especial atenção com as palavras que escolhes e começas a ter suores frios quando ela se encosta a ti. Tudo nela te encanta, desde as roupas que escolhe que lhe assentam tão bem, a forma como se senta com as pernas cruzadas, o odor do perfume que fica no teu olfato dias e reconheces à distância e o seu riso fácil, tão soberbo e cativante, digno de ser mais uma das maravilhas do mundo.
Começas a pensar no que se passa, começas a reparar que nada está como dantes, mas que não é culpa dela, é tua, toda tua. Sabias desde o início quem ela era, que não podias abrir esta caixa de pandora que agora tarda em se fechar, que não podias entrar num caminho como este, que tantas vezes na história foi palmilhado por outros homens e que poucos conseguiram dele sair ilesos e felizes. Queres-lhe dizer, mas acobardas-te. Contas cada segundo para voltar a estar com ela, mas, ao mesmo tempo, odeias cada pedaço de tempo em que a tens perto de ti por não poderes fazer o que o teu coração cobiça, com os teus músculos a retraírem para evitar que a agarres e a beijes como tanto ambicionas. Aquela rapariga que partilhou contigo lágrimas, dor, êxtase e euforia agora é uma mulher. Sabes toda a sua história, sabes quem a magoou e quem a quis magoar, julgas-te melhor que todos eles, mas não és, porque pensas que pior que a magoar é não lutar por ela com todas as tuas forças. Sentes-te fraco e iludido por um sentimento que tentas alienar, mas que está lá e vai crescendo, não deveria, mas vai crescendo.
Passas noites em claro imaginando em vão como seria uma conversa com ela onde lhe contarias toda a verdade, mas, mesmo sendo na tua cabeça, acaba sempre mal. Queres contar a alguém, mas não tens ninguém para o fazer, e, sejamos honestos, nunca foste um bom conselheiro para ti próprio, basta ver o teu passado e as escolhas que fizeste em termos de mulheres. Olhas para o telemóvel e queres ligar-lhe, resolvendo tudo de uma vez, mas vais pousá-lo logo de seguida. Vês o casaco e queres sair de rompante e ir a casa dela, fazendo uma cena de filme, beijando-a assim que ela abre a porta, mas nunca foste um romântico incurável e com certeza que ela nem iria estar em casa. Até pensas em escrever para ela, não é que sejas mau com as palavras, mas a tua mão treme só de pensar que ela vai ler as tuas frases e cada uma que escreves te soa pior do que a anterior.
Deixas de fazer o que fazias e de ir onde ias porque ela está lá. Afastas-te cada vez mais e inventas desculpas para não estar perto dela. Baixas a cabeça quando ela sorri e deixas de ver o brilho que ela emana e todo o carisma que ela espalha sem sequer o saber. Fechas-te num mundo tenebroso que é só teu, desejas nunca a ter conhecido e deixas-te invadir pela melancolia e desespero. Hoje vais tentar dormir, ou pelo menos fechar os olhos tentando não chorar. E vais pensar que tudo começou com uma simples brincadeira, mas acabou por se tornar algo tão real…
Texto de Jorge Andrês Correia
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